O momento após nos darmos conta que o sonho foi realizado é crucial. A semente da continuidade está aí. Chamo esse momento de limbo. De primeira é uma satisfação só. Depois, a gente se sente desesperado, desolado, triste, como se o amor tivesse terminado. Mas, cuidado! Amor não é paixão. Se a gente entrar na dança niilista, acaba acreditando mesmo que nada valeu a pena. Mas não é assim.
O limbo é permanentemente grávido.
A semente nós já plantamos, mesmo antes do novo sonho surgir na mente. E é ali que acontece o momento mágico do embrião romper a casca. Aí está o segredo da sustentabilidade: adaptabilidade, amor, vontade de viver, cooperação, mente saudável, devoção.
Assim foi depois do Alzavola.
Dizíamos: nossa, já fizemos tanto, e ainda há tanto por fazer. Mas não mais desse jeito. Tem que ser de um jeito novo.
Foi aí que conhecemos o Lucca, um dentista, aficionado por motos antigas, que mora em Bologna. Ele arrancou meus sisos com tanta precisão e destreza que meia hora depois, já estava comendo pizza. Fazia isso com um instrumento parecido com um saca-rolhas. Minha mordedura estava tão errada que ele me levou a um colegiado de dentistas para que examinassem como aquilo havia afetado os meus músculos buco-faciais. Curioso é que nem eu nem o Paul jamais havíamos notado isso.
O Lucca ficou muito amigo do Paul e nos convidou para trabalhar na praia, vendendo picolé e sanduíche, e ofereceu, ainda, hospedagem na casinha dele em La Madallena, uma ilhazinha bem ao norte da Sardenha. Olha só uma foto de lá. Adivinha se a gente aceitou ou não.
A Sardenha é uma ilha com pedras magníficas e água azul cristal, gente muito simples que fala o Sardo (que nada tem a ver com o italiano), javalis aos montes, resorts estupendamente caros, e nenhuma árvore de sobra, além das que produzem cortiça.
Nossos vizinhos nos convidavam para jantar de vez em quando, simplesmente dizendo “aiô”. O senhor servia um terrível vinho caseiro e a senhora, deliciosas e inesquecíveis massas, como o raviolão de ricota di peccora (ovelha) com limão, servido com molho de carne assada, e o fetuccini com molho de cabeças de passarinho. Claro, a sala de jantar era tão escura que só descobri que eram cabeças de passarinho bem depois de comê-las.
Assim fomos juntando uma grana para realizarmos o nosso novo sonho: um barco próprio. Ou melhor, o sonho do Paul. Conseguimos.
Porém, não era o meu sonho. Naquela época eu já começava a pensar em voltar pro Brasil. Pena que eu não tinha muita idade e não soube apreciar aquele momento tanto quanto merecia. Mas valeu a pena. E quanto.
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Eu vendendo picolé |
eita... vida tranquila....
ResponderExcluirvc postou um mapinha que tem uma "reserva dos arvoredos do Bonifacio"... gostei.... heheh
Tem picolé de que, moça?
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