A partir de Lisboa, meu objetivo era chegar a Vinay, uma vila a 100 km a leste de Paris. Lá, estava o Paul, e a perspectiva de trabalhar colhendo uvas em Champagne. A meu favor tinha 500 dólares, juventude e muita cara de pau.
Naquela época a França exigia visto e, na embaixada, o seco atendente deixou bastante claro que sem passagem de ida e volta, dinheiro e endereço de hotel nada iria acontecer. Sentei naquela pracinha ao lado da embaixada pensando e agora, meu Deus, como ia fazer. Foi quando vi nosso simpático amigo saindo para almoçar.
A sorte tem formas misteriosas de agir.
Depois de alguns dias em que vendi artesanato indígena na Praia de Cascais, fui assediada por um finlandês louco, e fiz amizade com o filho de um diplomata brasileiro, voltei a embaixada (na hora do almoço) levando documentos que comprovavam que eu iria à França de carro. E aquela simpática senhora me concedeu o visto.
Então, mochila nas costas, fui à rodovia que ia em direção ao Leste pedir carona.
O primeiro carro que parou foi uma Masseratti. O executivo ia para Madrid. Ávido de companhia, o homem ia prolixamente contando toda a história da Espanha ao vivo e a cores, e parava aqui e lá para tomar um café e um cognac. Eu estava tão feliz com aquela aula de história em espanhol, que o cara desviou do caminho da E-80 para me mostrar Salamanca, Ávila e o Valle de Los Caídos, o impressionante túmulo de Franco, encravado numa montanha e cercado de estátuas gigantescas de anjos com expressão de demônio.
No dia seguinte, saí de Madrid e fui para a gasolinera - na Espanha ninguém para para dar carona na estrada. Um homem num carrinho velho viu minha placa e me chamou. Era marroquino. Olhei para a cara dele e decidi entrar. Na estrada, o homem ia falando, e eu pontuando o discurso com "ã-hãs", "ouís" e "mercis" esporádicos. Pelo que pude entender, o homem voltava do casamento da filha no Marrocos - com o carro abarrotado de tralhas. O senhor dirigia sem parar, e de quando em quando, pedia um copo café, tirado de uma grande garrafa térmica. Era outono na Europa e as paisagens estavam fascinantes. A estrada toda pintada de tons de amarelo, vermelho e laranja. Fui de Madrid a Paris assim, sem entender patavinas do que disse aquele homem. Quando lá chegamos, ele parou num posto de gasolina. Minha cara deve ter dado pena - pois ele resolveu me levar até o meu destino, que fica a uma hora de Paris!
Nunca seria capaz de agradecer o suficiente a aqueles homens: se eu tinha qualquer medo de pegar carona então, o perdi naquela viagem. Mesmo com cultura, credo e linguagem diferentes, tive a enorme sorte de me deparar com dois cavalheiros.
Anos após esse episódio, no meio da neve na Alemanha, um casal parou e perguntou se eu não tinha medo de pedir carona sozinha. Honestamente, eu disse que sim, mas que eles corriam o mesmo risco que eu. Sinceramente, burra: me deixaram no meio da estrada logo depois.
Ao chegar em Vinay, uma pequena cidade composta por uma igreja e três ruas em volta dela, procurei a maison onde o Paul estaria. Quando cheguei ele estava no pátio. Dou graças à articulação temporomandibular, porque sem ela o queixo dele teria se espatifado no chão.