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26 de novembro de 2011

Alzavola

E então deixamos a Europa no Alzavola, um ketch de 77 pés construído em 4 centímetros de teca birmanesa, que pode ser chamado de "Clássico Aconchegante". Aliás, muito bem administrado por seu proprietário, um respeitado navegante e arquiteto florentino: Enrico Zaccagni, ou simplesmente, Kiko. Simples assim. E ele é simples mesmo. Um verdadeiro pirata na alma.
Detalhe: pirata rádio-amador. Porque esse não joga os cabelos ao vento, não. Ele dissemina a palavra - em italiano - pelos sete mares desse mundo.
Vale saber que esse barco foi construído em 1924, em Dartmouth, pela Philip & Son, para Sir Walter Ramsey Kay, e Zaccagni a abraçou há 36 anos, ainda como Gracie III.

É navegar com pessoas como Chicco, um verdadeiro poeta do mar, e Nicole, grande mamma italiana, a bordo de veleiros como o Alzavola, que é um sonho vivo, e bem mantido, que fazem valer a pena velejar a qualquer preço.
Em geral, melhor lembrar que nós temos valor, pois tudo tem limite.
Saúde, e Obrigada, vida, pelo que me deu. 

Chicco (Kiko) e sua equipe no Alzavola em regata

24 de novembro de 2011

Quando Menos é Mais

Em Antibes trabalhamos por algum tempo a bordo do Speedy Go. Era um lindo Maxi de regata transformado em iate de luxo, com o interior todo em madeira de pera, tapete branco e o escambau. Chique mesmo. O proprietário era algum político italiano que nunca conheci (ainda bem). Nem é preciso dizer que ralei muito. Um casal de italianos chegou um tempo depois: Cinzia e Piero. Ela fazia os melhores sanduíches desse planeta e de outros. No final, nos ofereceram para acompanhá-los a bordo, destino ao Pacífico, mas recusamos com carinho, o que, no final, foi muito bom - ouvimos dizer que a Cinzia deixou o Piero em alguma ilha remota e fugiu com o Australiano que foi constratado no nosso lugar.
E como se não bastasse, também trabalhei a bordo de outros veleiros. A bordo do Arayan melhorei meus conhecimentos gastronômicos e aprendi a aproveitar a maravilhosa cave cheia de Chablis...
O Arayan também nos levou a uma regata em Saint Tropez onde tive a alegria de velejar pertinho do Eric Tabarly e seu Pen Duick. Ele era um belo homem - sorridente, simples, positivo, um privilégio de se estar ao redor. Um pouco depois (1998) a criatura desaparece no mar.
Aceitar mentalmente o fim é difícil, mas algo que precisamos aprender. Aceito melhor quando penso: é quando menos é mais.

Eric Tabarly a bordo do seu Pen Duick

19 de novembro de 2011

Liberdade

Salvos pelo gongo. Lá fomos nós embarcados no Maxi Speedy Go, com gente muito alegre e divertida, e Phillipe Barbé, o capitão francês de temperamento suave. Só não dava para falar a palavra lapin - o cara arrancou as receitas de coelho do livro de culinária de bordo - e nem fazer qualquer coisa importante na sexta feira. Superstições do mar, pra que te quero. A rota foi Faial - Gibraltar - Málaga (vinho jerez de primeira) e Antibes. Que barco! Com a empopada dava pra surfar e fazer uns 18 a 20 nós.
E que beleza a Côte D'Azur! 
No Port Vauban, em Antibes (checa o visual), quando sopra o Mistral dá pra ver a neve no topo dos Alpes - com aquele castelo ao fundo, é deslumbrante. Acabamos alugando um apartamento lá porque continuamos trabalhando no Speedy Go... mesmo após a entrega.
Ali, algo muito mágico nos aconteceu. 
Um dia fomos a praia e decidimos, do nada, escalar os remparts (o muro de pedra) da cidade. Quando chegamos em cima, viramos pro lado e pertinho, havia um petrel do mar estatelado no muro, com o olhar super assustado. Imediatamente fomos pegá-lo e constatamos que ele havia perdido a capacidade de vôo, pois estava com patas e parte das asas cobertas de resina de pinheiro - o sul da França é cheio dessas árvores.  
Levamos o pássaro ao barco e começamos a tentar remover a resina. O pássaro, estressadíssimo. Após tentar banho de água e sabão, e álcool, conseguimos remover a maioria com um algodão embebido em tricloro etileno, e finalizamos a operação com polvilho antisséptico Granado. O bicho revoltado bicava a mão do Paul sem parar, mas resistimos. Levamos a ave pro deck, onde havia uma ruazinha, e soltamos o petrel em cima de um carro. Me lembro como se fosse ontem dos piados, que soavam como bronca, e, de fato, a sua expressão era de um bicho aborrecido. De repente, do nada, o pássaro alçou vôo, deu um rasante no espelho d`água - a ponto de acharmos que ele ia afundar - e começou a subir, subir, subir, subir.... até desaparecer no céu.
Foi uma cena tão gratificante - tão bom libertar uma criatura assim, que essa sensação ficou imprimida na minha alma pra sempre. Bom compartilhá-la com vocês.

15 de novembro de 2011

Rumo ao Desconhecido

Obs.: No post anterior, pulei dois anos de história. Esse post é de quando deixamos St. Martin, no início de 1991.

A ponte nos levou ao desconhecido, com destino a ilha de Faial, nos Açores. 
A bordo do Malaika, cujo nome do capitão eu providencial e obviamente me esqueci, seguimos pelo Triângulo das Bermudas, e pelo Mar de Sargaço, uma imensidão de água coberta de algas marrons, de peixes voadores que insistem em se suicidar pulando no barco, e de um magnetismo bizarro que confunde instrumentos. Com a fama do lugar, e a demora de avanço causada pelas algas, o capitão alemão já não estava lá muito satisfeito. 
Depois daquele trecho de algas vem outro trecho onde surgem grandes caravelas - milhares de águas-vivas, de enorme toxicidade, com uma parte externa que lembra uma vela, de cor gritante, que vai do roxo ao rosa-choque. Tanto que, em inglês, elas são chamadas de "homens portugueses de guerra", pela agressividade ao toque.  
Lá pelas tantas, quando o comandante soube, pelo weatherfax, da aproximação de uma boa depressão, com 980 milibares no centro, e pelo barômetro, que depencava vertiginosamente, o homem resolveu mudar o rumo para o leste, o que não adiantou nada: fomos pegos em cheio pela tempestade.
O mar ali tinha ondas médias, inchadas, que quebravam; o céu e o mar se confundiam e engoliam o horizonte, e tudo ficou de uma cor cinza-amarronzada. Prendemos o timão, entramos na coberta e mantivemos a estabilidade só com uma storm sail e a grande bem reduzida. 
Pensei: o que mais fazer num tempo daqueles? Esperar, e fazer biscoitos. 
A tripulação adorou, e caiu dentro, mas o capitão achou inapropriado para o momento, e jogou os biscoitos que esperavam no lixo. 
As pessoas se transformam no mar. Os defeitos não têm para onde ir: ficam ali, patentes. Quem tem medo da natureza não deve navegar. Lá, vemos como somos pequenos, frágeis... e no entanto, eu e os outros percebíamos o positivo: merecemos estar vivos! 
É preciso ter humildade de caráter para viver no mar.
O mau tempo passou após 3 dias - sem mais biscoitos. Chegamos a ilha de Faial num encantamento tremendo por aquelas ilhas lindíssimas plantadas no meio do oceano e com um mal-estar horrendo com aquele homem descontroladamente furioso. Pobre ele, que não sabia da grande solidariedade existente entre povos que falam português. 
A aduana foi imediatamente avisada da situação. Pela lei Internacional, no mar, o capitão é responsável pelo barco e pela tripulação. Ou seja: não é possível abandoná-la em qualquer canto, a sua própria sorte. Ele é obrigado a pagar custos de repatriamento, se quiser se livrar da tripulação. Assim, o homem encontrou um bar onde se afundou pelo tempo em que ali estivemos.
O arquipélago dos Açores, localizado na Macaronésia, é composto de 9 ilhas de paisagens variadas: a maioria é coberta de vastos campos, que lembram a Escócia, com montes e montanhas onde pastam ovelhas e vacas, e onde vive tranquilamente um povo muito acolhedor, em belas cidadelas pitorescas. É um lugar de muitas, muitas histórias de mar. Não daria para contar em um blog inteiro.
A grande natureza pura, límpida, e familiar: um lugar que vale muito a pena conhecer melhor, o que certamente farei antes de partir de vez.


Physalia physalis
Mau tempo no Mar

Mapa do Mar de Sargassos

Costa Leste da Ilha de São Jorge, Açores



12 de novembro de 2011

Mimos

Após o furacão pulamos a bordo de um outro maxi chamado Donnybrook, conduzido por Bert Collins, que também tinha uma Harley Davidson (mas não a bordo) e zipamos até Tortola, ao norte, nas Ilhas Virgens. Era abril de 1993.
Paul encontrou um trabalho bacana a bordo de um barco que pertencia a uma grande produtora de whisky, e eu naveguei em direção a indústria cinematográfica. 
O proprietário do meu barco - o Danúbio - tinha uma fábrica de poltronas de cinema e estava prestes a receber cinco visitas que eram grandes clientes, proprietários de uma vasta rede de cinemas dos EUA.
Assim surgiu aquela familia - que eu deveria mimar, como hostess. O pai era um GRANDE senhor, muito generoso, com um belo apetite por toda a boa comida possível e imaginária. Ele veio acompanhado da namorada, uma renomada designer de tecidos. Ela só precisava se sentir inspirada pelo coral e pelos peixes para produzir belas estampas - sem jamais entrar na água, é claro.
E o preocupado casal de filhos também veio. Ambos, a sua vez, enfatizaram a proibição de fornecer qualquer coisa gordurosa ao pai, o que era compreensível. Só que o cara não concordava com esse ponto de vista, e me subornou com elogios quando preparei uma lagosta.
Então eu fiz pra ele - escondido - um pudim de pão cheio de creme.
Ele gostou, como comprovou a minha gorjeta ao final do serviço.
Caramba. Eu não era enfermeira - era barcomoça. O "senhorzinho" era um homem de negócios do entretenimento, estávamos em Tortolla, e a vida é curta demais para não ser vivida.
Não sei se estou certa ou errada. Mas amo ver as pessoas aproveitando a vida. É minha natureza.  

2 de novembro de 2011

As Pontes

Saint Marteen é muito louca. Uma ilha de 87 quilômetros quadrados que é dois países num só, divididos por uma ponte que levanta - pra cá é França, pra lá é Holanda, com língua e tudo.
Além disso, a ilha é um daqueles lugares únicos que têm abrigo natural contra furacões, e por isso, a cada ano por volta do mês de agosto, milhares de veleiros vão para lá procurando não sofrer com os ventos impiedosos que assolam o Caribe.
Não é maravilhoso saber que existe um lugar que nos abriga do tempo ruim? 
Enfim. Tudo o que eu mais amo: o mundo numa casca de noz, mar, vento e paz, e amigos. Essa é uma natureza realmente abundante...