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23 de outubro de 2011

Viajando

Granada é uma ilha caribenha especialmente bonita. Se não fosse uma base militar americana, recomendaria a todos que conhecessem. 
Lá constatamos que a noz-moscada é um de seus principais produtos. Dela se retira o macis, uma membrana avermelhada que o recobre, também utilizada como especiaria, mas com outro sabor e aroma. Soubemos também que consumir uma noz-moscada inteira (ou 5 g do seu pó) pode produzir efeitos de intoxicação como descontrole motor, e alucinações auditivas e visuais, por conter miristicina, um inibidor irreversível da monoamina oxidase, uma enzima que metaboliza hormônios como noradrenalina, dopamina e serotonina, que atuam ativando o estado de alerta, e regulando os estados de humor, como a euforia e a depressão. 
Lá conhecemos o capitão de um rebocador que nos ofereceu uma quantia vultuosa para trabalharmos a bordo, em regime (totalmente) integral. O homem era o cara do Kojak, e vinha de Bornéu também! Declinamos... porque era preciso seguir em frente. 
Nossa participação no Act IV finalizou em Puerto La Cruz, na Venezuela, mais uma vez.
Foi assim que surgiu Iemanjá, um catamarã de 42 pés, projeto único, capitaneado por Avi, que nos embalou em seus braços e conduziu da vida insana até Saint Marteen.



21 de outubro de 2011

O Mundo dos Negócios

Logo que chegamos a Palma de Majorca conseguimos trabalho a bordo de um barco de 114 pés construído no Canadá, batizado de "Act IV".
O novo proprietário não era bobo nem nada: resolveu fazer a transação da compra fora das águas territoriais espanholas, para não ter que pagar as taxas.
Aquele homem extraordinário também pegou o lote inteiro de armas (leves e pesadas) que foram vendidas com o barco, por seu antigo proprietário árabe, e simplemente as jogou bora afora no fundo do porto. Seria interessante se eu tivesse cronometrado a rapidez com que apareceram mergulhadores naquele lugar.
Aquele exagero de embarcação tinha um piano e uma jacuzzi a bordo, dois gigantescos geradores Caterpillar e as catracas eram elétricas. Isso significa que na viagem entre Majorca, Las Palmas de Gran Canaria, Antigua e Granada, pude contar nos dedos as vezes que vi as velas içadas. Não éramos muito felizes ali.
Nosso capitão era um americano parecido com George Bush, com cara de frustrado. Já o  chefe, era um pequeno homem, que nos pagava o salário nota por nota, dizendo uma frase famosa, título de uma canção do Elvis, assim traduzida: "O que vem fácil, vai fácil"...  
E, típico desse mundo dos negócios: meu salário era igual ao do Paul dividido por dois, porque "você é mulher", especialmente considerando que eu era a única que mantinha aquele barco inteiro limpo, e as pessoas, alimentadas.
Essa é a natureza de alguns. Essa gente fez o mundo girar até agora, tornando o mundo o que é. Um mundo onde muitos vão morrer no próximo minuto, e onde alguns poucos poderiam evitar toda essa tragédia com um gesto humano no bolso. O juízo disso é todo seu.

 

15 de outubro de 2011

O Estreito

Mesmo com uma natureza de raízes, há gente que não sossega - tem bicho carpinteiro. Então, nada de ficar na terra-pai, Portugal: sempre em frente.
Em locais com montanhas marcantes, como o Cabo e o Estreito de Gibraltar, ambos habitados por babuínos, a natureza é selvagem, fala muito forte. Nesses cabos, estreitos e istmos milenares, a história está no ar. O Cabo da Boa Esperança divide o Oceano Atlântico do Índico. O Cabo Horn marca as terras austrais, e separa o Atlântico do Pacífico. Em Gibraltar, vê-se a África da Europa, a olho nu. Quando estiver num lugar assim, respire e sinta o cheiro daquele ponto estratégico, e belo, um genuíno divisor de águas. É uma forma de apreciar a natureza.
Assim fomos até Cadiz, onde vi que na Espanha, as pessoas - crianças, idosos e jovens - amanhecem à noite. 
Ali desembarcamos do Álibi e entramos a bordo de um barco de bandeira francesa por dois dias. Dentre os tripulantes havia um casal de franceses com um bebê de 6 meses. O menino acordava rindo. A mãe era médica, mas também mochileira. No barco, passeavam com ele para cima e para baixo, sustentado por um cinto. Quando os famosos golfinhos de Gibraltar vieram brincar na proa, o menino ria sem parar: parecia entender os sons deles. Os golfinhos também sorriam. Eu vi.
Incrível, extraordinária, imensa natureza, essa, que nos oferece a dádiva de interagir com golfinhos - o único animal, além do homem, que brinca quando adulto. 
E, com essa forte impressão, cheguei a Majorca.


11 de outubro de 2011

Voltando às raízes

E assim seguia o círculo dos ventos, mais uma vez: Rio, Cape Town, Paris, Vinay... porém, por termos a opção da escolha, mudamos o nosso destino: para a Bélgica. Sim, a Bélgica das 365 cervejas artesanais, e dos quadrinhos mais famosos do planeta - mas não para a Bruxelas dos manons e das ruas cheirando a chocolate, ou a idílica Bruges, e sim, para Niewpoort aan Zee. E só há uma coisa a se ver, lá: o Mar do Norte, com barcos, muitos barcos.
O Mar marrom do Norte impõe respeito. A bordo do Alibi, um Jeanneau Melody, junto ao proprietário Jacques Quesnoit, fomos parar na Bretanha. Não é lenda: aquele nevoeiro dá para cortar com uma faca. Por um dia inteiro, não avistamos sequer a proa do veleiro de 10 metros e meio. Como não tínhamos radar, nem GPS, nem olho, contamos com o faro. Mas ele nos traiu. Uma vez tivemos que cambar na euforia, depois de avistarmos ondas na praia, e constatarmos que o capitão havia errado o cálculo do rumo em 180 graus. Em outra, ouvimos uma ENORME buzina, de um navio que nunca apareceu, que parecia vir da porta do além. Ainda bem. Meu coração, ejetado na língua, foi devolvido ao seu lugar só porque engoli seco. 
Paramos na lindíssima Brest, terra de maré de 5 metros, representante da Bretanha da resistência, a terra prometida dos celtas, onde se pode degustar ostras impressionantes.
Por Tutatis e por Belenos. Aquilo era a própria Grande Travessia de Uderzo e Goscinny.

E para terminar o círculo, voltamos a Portugal, a terra pai. Em águas patrícias, pescamos um tubarão que parecia afogado pelo currico. Com muita cautela, removemos os dois anzóis presos a sua boca e o devolvemos ao mar.
Pois é ali que devem permanecer suas criaturas: em sua natureza.

7 de outubro de 2011

Em círculos

Janeiro de 89. A bordo do Jarushke, um barco de 53 pés construído na África do Sul, fizemos a rota Natal-Vitoria-Rio-Cape Town com o capitão Zeca Martino, como se fizéssemos círculos. A bordo, aprendemos a criar brotos, fizemos pão fresco, ouvimos muita música e interagimos. Foi uma travessia maravilhosa.
No entanto, na primeira perna da viagem, o barco quase afundou porque havia um grande furo no compatimento da âncora. Ficamos bem estressados (e enjoados) com aquele bombeamento intenso - bombas elétricas falham SIM - mas ao final foi tudo resolvido: o Zeca mergulhou, encontrou o furo e o tapou. O quadrante do leme também rachou no meio do Atlântico, o que tornou a cana do leme bem pesada. Éramos 3, e eu rapidamente me cansei dos quartos longos. Mas porque tínhamos ventos estáveis de popa, o Zeca simplesmente apareceu com sua revolucionária invenção, chamada de "piloto automático", a qual consiste em um elástico preso a um lado da cana, e a escota da genoa bem ajustada, presa ao outro lado da cana, e nós 3 arriscamos e nos demos duas noites de sono muito bem merecido. 
Também tivemos uma interação fantástica com uns pássaros que chamávamos de  "bailarinas", porque pareciam dançar no topo das ondas, e nos seguiam o tempo todo. Os albatrozes de sobrancelha também. Dizemos que eles são as almas dos marinheiros que perderam a vida no mar.
Os Albatrozes são impressionantes, porque têm a maior envergadura de asas existente entre os pássaros, chegando a 3,5 metros. Seus bicos são fortíssimos. Essas criaturas levam muito tempo para amadurecer sexualmente, e mantêm uma única relação monogâmica por toda a vida. Os Albatrozes retornam muitas vezes a sua colônia original para procriar, e fazem seus ninhos em ilhas isoladas sem histórico prévio da presença de mamíferos. Eles cuidam muito bem e por muito tempo de seu ovo - põem um por estação reprodutiva - e seus filhotes crescem até um ano para arriscarem o primeiro vôo. Albatrozes voam por enormes distâncias - às vezes circumpolares - pois eles conseguem planar facilmente, sem gastar muita energia. Eles vivem até 50 anos.
Das 21 espécies conhecidas pelo homem, 19 estão em extinção.
Hoje, o Zeca faz charter entre Natal e Fernando de Noronha no seu Borandá.


5 de outubro de 2011

Amazônia

Pois fomos sendo parados pelos militares venezuelanos até a fronteira do Brasil, que fica no meio de um nada, muito longe de qualquer coisa que possa ser chamado civilizado. Na Amazônia, a natureza é selvagem. Mas a dos homens de lá, é feroz.
Boavista é uma cidade com arquitetura pontuada de vendinhas de compra e venda de ouro, bancos nacionais e internacionais de vidro bem fumê, e casas amplas com milhares de mangas e cajus caídos no chão. De posse das informações básicas, nós enxeridos tentamos extrair castanha da noz do caju, e acabamos sem voz, com as mãos descascando. O óleo que envolve a noz possui urushiol, toxina muito potente. Seu líquido é usado para fins industriais, para produzir inseticidas, resinas, lonas de freios, etc. Ui!
De carona, continuamos rumo ao sul, objetivo Natal ou Recife. Numa das caronas entramos na boléia de um 4 X 4 cheio de cajus, e nossas roupas ganharam a curiosíssima mancha da nódoa, que some na estressafra, e reaparece na época.  Também fomos avisados por um indígena para não urinarmos nos rios, por mais rasos que possam ser, pois naqueles em que não há piranhas, é provável entrar em contato com candirus. (Ui! Ui!) (Se você não sabe o que é, veja o link abaixo). Depois de umas 5 horas de boléia por aquelas estradas irregulares, meus órgãos pareciam ter trocado de lugar ao sair do carro. Pernoitamos na pousada mais a ermo em que já estive, mas a abandonamos por não sabermos como lidar com tantas baratas. Uuuuuuuuuuui...
A paisagem mais marcante da Amazônia, vista a nível do solo, não é da mata: é a dos descampados - vastas áreas queimadas, onde o povo cria gado, e onde só restaram, aqui e ali, as castanheiras do Pará, majestosíssimas.
Na fronteira da terra dos Ianomanis, os ônibus com as suspensões mais reforçadas do planeta paravam as 6 da tarde e esperavam até as 6 da manhã.  Na estrada que passa pelo território, por conta dos atoleiros, só se vence alguns trechos com a ajuda do trator. 
Depois de quilômetros abundantes, chegamos a Manaus, a capital do sorvete de fruta, do peixe de rio e do mosquito. Quem vai a Manaus não pode ser chato. Mas a Amazônia tem mesmo que ser assim: desconcertante. É sua natureza.

4 de outubro de 2011

Rumo ao Sul

Pegando carona em barco no Caribe, não dava para escolher. Pois bem: rumamos ao sul, a bordo de um veleiro finlandês de ferrocemento, de 63 pés, chamado "Claudia II". Foram 5 dias até a Venezuela, em Puerto La Cruz. Lá ficamos trabalhando e vivendo a bordo de um veleiro no seco, e conhecendo aquela terra curiosa. 
Paul subia os coqueiros feito macaco. Desenvolvemos uma técnica em que ele jogava os cocos e eu amortecia a queda, para evitar que quebrassem. Não sei como ainda estou viva. Ali tinha os melhores falafels de carrocinha que eu já comi. Na praça central da cidade vivia um bicho preguiça.
As venezuelanas de origem européia herdaram a elegância das espanholas, com um toque exótico das sul americanas. Os homens não tiveram a mesma sorte, infelizmente. Pessoas de aparência indígena são a maioria. O melhor cabelereiro em que já cortei cabelo na minha vida tinha as paredes de seu cafofo cobertas de diplomas internacionais e sequer tinha uma pia, só uma cadeira. As pessoas faziam fila de pé, mesmo, porque ele cortava os cabelos com o gestual de um Picasso, em aproximadamente 10 minutos. Genial.
Ah, a Venezuela também tinha algo mais: militares para todos os lados. E inquisitivos. Era uma sensação de que algo acontecia, que não sabíamos. Então pensamos, que diacho, voltemos ao Brasil. 

3 de outubro de 2011

Ajuste Fino à Distância

Velejamos até chegar à ilha de Saint Lucia, mas, na dúvida sobre a visita ao vulcão Soufriére, nada de desembarque: seguimos em frente até a Martinica para uma noite gourmet em um restaurante finíssimo ao longo do cais - camarões e ostras - tudo pago, é claro, pelo nosso generoso dono do barco.
Na Martinica as baguettes vêm importadas por avião de Paris... é a verdadeira decadence avec ellegance.
Saímos do jantar, mais para lá do que para cá, e avisto ao longe um cara cambaleante que entra num bote e rema até chegar a outro barco. Apesar de estar escuro e longe, eu corro. Com certeza era o Paul.
Esperei, sem dormir, até o dia seguinte, para pegar o bote do Blue Finn, e remar até o veleiro. Quando perguntei se tinham algum tripulante Neo-Zeolandês, o rapaz disse "Sim," mas "ele está naquele veleirinho lá".
Remei feito uma doida com o coração na boca. Lá estava ele a bordo de um mínimo barco de dois amigos que havíamos conhecido em Recife. A Fabiola me viu e disse: "Mira, es Daniela!"
Paul não acreditou. Nem eu. E nem é preciso fazer um comentário romântico.
Acabamos ficando os dois na Martinica e embarcando para o sul. Era janeiro de 1989.
Realmente é maravilhoso poder compreender as coisas, mas o desconhecido e o inesperado são enormes forças propulsoras da vida. Entender tudo não faz parte da natureza humana.

1 de outubro de 2011

Zazen

Tudo tem um lado positivo. Até estar na companhia de bebuns.
Consegui um trabalho num bar em Careenage, lavando copos. O bar tinha uma mesa de sinuca e era frequentado principalmente por velejadores. Tinha também um mural onde prontamente coloquei meu aviso com minhas intenções - seguir rumo ao norte.

Nem sempre era engraçado esperar toda noite os últimos clientes saírem para conseguir um espaço debaixo da mesa de sinuca para dormir. O bar também tinha uns apartamentos de aluguel no segundo andar, então, umas duas ou três vezes escalei o muro e entrei pela janela para me presentear com uma noite decete de sono.
Conheci um doce de rapaz da Bavária que me deu o apoio emocional que eu precisava. Ele estava hospedado em um local no interior da ilha, mas não era um viajante. Por isso não aceitei seu convite para ir para a Bavária, mas ainda penso nele como um anjo.
Outra pessoa importante que conheci foi Anderson Agra - o capitão a bordo do Blue Finn of Hamble, um fantástico veleiro inglês de 60 pés, tripulado apenas por seu proprietário rico, dono de empresas de silicone, que era casado com uma lady da família real espanhola, que não gostava muito de velejar. Mas os dois gostavam bastante de beber. 
Anderson é um cara muito positivo - sempre cantando, sempre para cima. Eles concordaram em me levar para o norte e isso mudou muito o meu fraco ponto de vista sobre o Caribe.
O Anderson ainda vive velejando pelo mundo no seu veleiro Vancouver de 37 pés chamado Zazen. É perfeito para ele. Ele é um daqueles caras que colorem o mundo com sua alegria. Obrigado por estar no mundo Majjham.