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30 de setembro de 2011

Ingleses e rastafaris

Caribe = glamour, paz, beleza, riqueza. Certo?
Errado.
Cheguei lá com nada mais que 50 dólares e meu lindo canivete marítimo. A primeira pessoa que conheci foi um rastafari, que me levou a uma pensão bem simples, mas mesmo assim, cobrou caro demais. Pobre homem simpático e solícito: se esperava obter alguma vantagem financeira da mocinha de aparência européia, acabou comprando meu canivete, penalizado.
Não dá para ignorar a história daquelas ilhas: seu povo original, os índios caribes, foram completamente dizimados na chegada dos europeus. Depois, foram substituídos por escravos, cujos descendentes permanecem ali desenvolvendo uma cultura razoavelmente oprimida. 
As casas de madeira construídas para voar sem causar grandes estragos, diante dos furacões que assolam as ilhas a cada ano, insistem em lembrar aquela gente o quão dura é a vida. 
Isso, ao lado de iates milionários... é constrangedor. E muito familiar, para uma brasileira.
No dia seguinte, fui ao porto em Bridgetown ver se embarcava em outro veleiro. Quando contei minha nacionalidade para os jovens ingleses ricos, a resposta foi: "você sabe fazer caipirinha?????" 
Portanto, graças a minha habilidade nessa arte, troquei um lugar a bordo para dormir e comer, por 3 dias, pelos drinques preparados em proporção de balde. O pilão era a manicaca. E a cachaça, o famoso rum de Barbados.
Esse meu povo viajante dos portos tem uma natureza da água: da doce, da salgada e a daquela que passarinho não bebe. 


17 de setembro de 2011

Paralipse

Largar não é fácil para a minha natureza. Naquele momento em que o barco partia, deixando Las Palmas cada vez menor, meu olhar ao largo, duvidando rever a ele novamente algum dia, o capitão me toca no ombro, e diz, em inglês com sotaque carregado em alemão: "não se preocupe, nunca mais você vai ver aquele cara".
A primeira imagem que veio a minha cabeça era eu me jogando no mar, e como meu passaporte ficaria encharcado.
Mas eu não me joguei. Assim começou o mês mais difícil da minha vida.
No início tentei ignorar a coisa e cozinhar. O porco com chucrute e puré de batata me davam enjoo. Todos eram comida pronta, junto a salada de frutas, que saía de uma lata. Nem preciso dizer que fiquei bem magrinha.
O barco tinha um radio amador. O capitão conversava todo dia as 5 com sua esposa, e naquele momento eu havia sido proibida de falar: "ela é muito ciumenta". Eu começava a achar que o cara era tantan, mas ainda tinha muito mar pela frente. No terceiro dia ele me pediu para cortar o cabelo dele, no banheiro. Quando eu lá cheguei com a tesoura na mão, ele estava nu.
Acho que pessoas que cometem abusos não sabem o risco que correm, porque ignoram que podem estar diante de alguém com muita raiva.
Mas eu não reagi. Simplesmente ignorei e cortei o cabelo dele. Após beber algumas caixas de vinho, o capitão me chamou e disse que eu deveria dormir no quarto dele, daquele dia em diante. Foi simples, aquele "não". Então ele me disse, está bem, vai dormir lá fora. E eu obedeci.
O capitão começou a beber mais e mais a cada dia. Isso tornava as coisas mais fáceis, porque tudo o que tínhamos que fazer era levar o barco no rumo, ser nós mesmos e ignorá-lo. Quando ele caia no chão de tão bêbado, os Berlinenses o levavam a cama e já esperávamos que ele acordaria dois dias depois esbravejando.
Apesar de os Berlinenses não falarem uma palavra de inglês eu conseguia me relacionar com eles. A me ver entrando num saco de lixo preto a cada noite e tremer de frio, eles me ofereceram para dormir na cama deles, enquanto estavam fazendo seus quartos. Eles salvaram minha vida e minha saúde.
Em um desses ataques tipo retorno de Jedi, o capitão surgiu lá fora com uma arma. Os Berlinenses imediatamente trataram de dissuadi-lo a guardá-la. No dia seguinte, o cara me aparece na proa, para "fazer as pazes". Estava bêbado novamente, e oscilava, segurando nos guarda-mancebos. Lembro de ter que fazer um esforço feroz para não empurrá-lo.
Sim, agora sei que isso também faz parte da minha natureza.
Foi o mais perto que cheguei de matar alguém na minha vida.
Dessa forma, numa bela manhã daquela viagem de 28 dias, vi Barbados aparecer na proa. Imediatamente desci, arrumei minha mala e me despedi dos berlinenses. Enquanto eles lidavam com as amarras pulei do Caroline e nunca mais olhei para trás. Era novembro de 1988. Felicíssima de estar no Caribe.

15 de setembro de 2011

Terra Seca

Las Palmas de Gran Canaria, uma ilha inteira de ar seco e pacotes turísticos. 
A regata que cruzaria o Atlântico partiria em duas semanas após a nossa chegada. A maioria dos tripulantes já tinha encontrado o seu lugar e em todos os cantos do cais, ninguém se dispunha a levar um tripulante - que o diga dois!
Cabe explicar que essa regata é só uma desculpa para os europeus donos de barcos fazerem a mesma viagem aproveitando os ventos alíseos. Ela não envolve competição alguma.
Após vários dias de tanto caminhar e perguntar, conhecemos um cara que aceitou levar um de nós. O barco tinha sido construído em Hamburgo pelas próprias mãos do proprietário-capitão, de Frankfurt.
O Paul preferiu ficar e me embarcar. Mais tarde, vi que era a decisão mais correta, pois ele só conseguiu partir um mês depois.
Eu tinha acabado de fazer 22.
Celulares não existiam. Tampouco tínhamos endereço fixo. Estávamos ao sabor da sorte, e provavelmente nunca mais nos veríamos.
O capitão alemão já tinha dois tripulantes a bordo, de Berlim. Naquela época ainda existia o Muro. Ele explicou num inglês rude que desejava que eu cozinhasse. Boa, pensei. Ele nos deixou dormir a bordo, e achamos aquele gesto bastante amigável.
Uns dias antes de partir, o capitão me levou ao El Corte Ingles para abastecer o barco para a viagem de um mês. Voltamos com dois carrinhos cheios de latas e batatas, e outros dois repletos de vinho de caixa.
Lembro de ter ficado bastante espantada com aquilo, mas poxa, pensei, é a natureza europeia.
Foi assim que parti de Las Palmas de Gran Canaria, a bordo do Caroline, indo para Barbados.

14 de setembro de 2011

Champagne, Sexo e o Desejo de Voar

Passar os dias colhendo uvas meunier, pinot noir e chardonay para produzir champagne, com uma gente saída de um filme do Fellini, regada a muito vinho e sexo, sinceramente, me dá saudade.
Os franceses daquela parte começam o dia no bar, tomando algo diferente - um anis, ou um calvados. As 8:00 já estávamos nos vinhedos, sem café da manhã. Fazia fresco - de 10 a 15 graus. As uvas crescem baixo, pra se beneficiarem do calor irradiado do chão de calcáreo batido. Então, o dia inteiro de trabalho passa-se em posiçao recurvada ou de cócoras. O inferno/paraíso dos fisioterapeutas! Tudo a toque de caixa, porque para produzir aquele néctar, há um tempo definido pelos burocratas de Paris, a ser seguido rigorosamente. As 10 da manhã faz-se um break no meio dos vinhedos e, do nada, surge o vinho (café? chá? eca!) e algumas patisseries, algum pão, alguma fruta. O trabalho recomeça e vai até o meio dia, quando voltamos, verdes de fome, e somos muito bem servidos de entrada, carne, verdura, queijo e sobremesa, tudo regado a champagne. No final, só nos resta tirar aquela sonequinha tudo de bom. Duas horas de almoço! Gente, amo a civilização.
Quer trabalho melhor na vida? Não existe.
De tarde, tudo de novo outra vez.

Aparecia de tudo naquela terra: franceses e italianos duros, gente dos países do leste - até brasileira tinha. Um grupo foi impossível de esquecer - os polacos. Da última vez que vi, lá chegaram num BMW cor de abóbora levando litros de vodka e pickles, lápides de cemitério e uma cabeça de alce empalhada, só pra fazer uma graninha extra... e, mais espantoso ainda, eles de fato fizeram! Eclética, a combinação genética: pai gigante, mãe metida a francesa, filho manhoso, filha bonequinha, genro casca grossa - aliás, é dele a receita em anexo - todos num quarto tocando o rebu e bebendo sem parar.
E no dia seguinte... eram eles que davam mais duro e trabalhavam mais rápido. 

E como tudo o que é bom tem um fim - o outono e a vindange também... fomos pra Bélgica, e de lá, pra Holanda... e de lá, para as Ilhas Canárias.
Porque navegar é preciso, mas viver... não é preciso.



7 de setembro de 2011

No dedo

A partir de Lisboa, meu objetivo era chegar a Vinay, uma vila a 100 km a leste de Paris. Lá, estava o Paul, e a perspectiva de trabalhar colhendo uvas em Champagne. A meu favor tinha 500 dólares, juventude e muita cara de pau. 
Naquela época a França exigia visto e, na embaixada, o seco atendente deixou bastante claro que sem passagem de ida e volta, dinheiro e endereço de hotel nada iria acontecer. Sentei naquela pracinha ao lado da embaixada pensando e agora, meu Deus, como ia fazer. Foi quando vi nosso simpático amigo saindo para almoçar.
A sorte tem formas misteriosas de agir.
Depois de alguns dias em que vendi artesanato indígena na Praia de Cascais, fui assediada por um finlandês louco, e fiz amizade com o filho de um diplomata brasileiro, voltei a embaixada (na hora do almoço) levando documentos que comprovavam que eu iria à França de carro. E aquela simpática senhora me concedeu o visto.
Então, mochila nas costas, fui à rodovia que ia em direção ao Leste pedir carona.
O primeiro carro que parou foi uma Masseratti. O executivo ia para Madrid. Ávido de  companhia, o homem ia prolixamente contando toda a história da Espanha ao vivo e a cores, e parava aqui e lá para tomar um café e um cognac. Eu estava tão feliz com aquela aula de história em espanhol, que o cara desviou do caminho da E-80 para me mostrar Salamanca, Ávila e o Valle de Los Caídos, o impressionante túmulo de Franco, encravado numa montanha e cercado de estátuas gigantescas de anjos com expressão de demônio. 
No dia seguinte, saí de Madrid e fui para a gasolinera - na Espanha ninguém para para dar carona na estrada. Um homem num carrinho velho viu minha placa e me chamou. Era marroquino. Olhei para a cara dele e decidi entrar. Na estrada, o homem ia falando, e eu pontuando o discurso com "ã-hãs", "ouís" e "mercis" esporádicos. Pelo que pude entender, o homem voltava do casamento da filha no Marrocos - com o carro abarrotado de tralhas. O senhor dirigia sem parar, e de quando em quando, pedia um copo café, tirado de uma grande garrafa térmica. Era outono na Europa e as paisagens estavam fascinantes. A estrada toda pintada de tons de amarelo, vermelho e laranja. Fui de Madrid a Paris assim, sem entender patavinas do que disse aquele homem. Quando lá chegamos, ele parou num posto de gasolina. Minha cara deve ter dado pena - pois ele resolveu me levar até o meu destino, que fica a uma hora de Paris! 
Nunca seria capaz de agradecer o suficiente a aqueles homens: se eu tinha qualquer medo de pegar carona então, o perdi naquela viagem. Mesmo com cultura, credo e linguagem diferentes, tive a enorme sorte de me deparar com dois cavalheiros. 
Anos após esse episódio, no meio da neve na Alemanha, um casal parou e perguntou se eu não tinha medo de pedir carona sozinha. Honestamente, eu disse que sim, mas que eles corriam o mesmo risco que eu. Sinceramente, burra: me deixaram no meio da estrada logo depois.
Ao chegar em Vinay, uma pequena cidade composta por uma igreja e três ruas em volta dela, procurei a maison onde o Paul estaria. Quando cheguei ele estava no pátio. Dou graças à articulação temporomandibular, porque sem ela o queixo dele teria se espatifado no chão.

5 de setembro de 2011

E La Nave Va

Desembarcando, encaramos uma escada. Desafio - após vários dias de mar anda-se em ziguezague, sem bebida: é o famoso andar de marinheiro. Ou seja: todos caímos.
Fiquei quase um mês na hospitaleira casa do Dr. Scher, pai do Paul, em Claremont. 
Vi pela televisão o Mandela sendo solto do longo tempo na prisão, e o povo emocionado. O apartheid tinha bancos com placas para negros e brancos, tarifa diferenciada nos ônibus, e um olhar incrivelmente constrangedor, de tão submisso, dos mulatos aos falar conosco. E favelas enormes, muito miseráveis.
Fiz amizade com uma menina indiana que vendia roupas no mercado. Ela me ensinou a fazer samoosas e me deu a dica de como sair de lá. Isso era importante, pois eu tinha 500 dólares. Paul planejava voar para a França para fazer a colheita das uvas em Champagne. 
Assim, embarquei "de gaiata num navio" de tripulação Birmanesa, indo para Lisboa, junto a um casal de idosos Escoceses, um Alemão, e um casal de jovens sul-africanos. Trabalhamos fazendo vários serviços - descascar batata, pintar porão, etc, em troca da viagem. Até que, anos depois, essa troca teve que ser encerrada pela "esperteza" de um idiota que resolveu tentar contrabandear marfim por aquela via.
Aqueles birmaneses eram quase todos budistas, criaturas pacíficas que andavam com um tipo de sarong, o longyi, que leva um nó caso seja usado por homens, e outro para ser usado por mulheres. Ganhei um verde quadriculado, que usei muitos anos. Fui muito bem tratada por todos, com a breve exceção do cozinheiro - um muçulmano que tentou me agarrar dentro do frigorífico, quando eu procurava massa folhada para fazer samoosas. O assédio tragicômico não teve maiores consequências: ele rapidamente implorou que eu não dissesse nada ao capitão.
Fora esse episódio, foram 12 dias bem tranquilos até chegarmos em Portugal.
Aportando em Lisboa, ao lado da foz do rio Tejo, olhava para aquela terra e não dava pra disfarçar a emoção... e enquanto meus olhos retinham aquela lágrima teimosa o estivador ajudava a atracar o navio, lançando a retinida com um nó em forma de bola na ponta...
E, é claro, o nó-bola bateu na minha testa. Caí pra trás e a tripulação correu, assustada.
Eu ria, e pensava: "Bem vinda à Europa".

O Sol na África é Gigante

Para ser nômade, não basta viajar. É preciso mudar o olhar quanto ao tempo, ao espaço e as pessoas, e querer menos, amar o vazio criativo.
E o meio do oceano é lugar perfeito pra viver o vazio. A comida é racionada. A higiene é restrita, pois há pouca água doce. Dorme-se bastante entre os quartos. A harmonia é fundamental para a saúde de todos. As velas te levam ao sabor do vento, relativizando o tempo: se há pouco vento, anda-se pouco, ou nada. Simples assim.
No meio do caminho tivemos um problema no motor e o cabeçote rachou. Ou seja, nada de máquina para entrar em Cape Town. E só. Sem problemas! Num veleiro, o motor é apenas um acessório que facilita a manobrabilidade em espaços pequenos - não faz falta alguma. Pelo contrário... acaba com o silêncio. Mas sem poder prever o tempo que ia levar, tivemos que racionar comida e água. Eu recebi uma quota extra de água para higiene pessoal.
A viagem para Cape Town, partindo do Rio, é uma das mais belas, pois em baixas latitudes há muita vida marinha, e pouca gente. Sábia natureza. Chama-se "40 rugidores" a faixa onde os ventos se intensificam. Naquele lugar, especialmente timoneando a noite, só, vejo que o barco é uma casca de noz e que eu sou um pedacinho de quase nada. Uma sensação incrivelmente libertadora. 
Num belo quarto noturno de lua bem nova, comoção: avisto um clarão à nossa proa - Table Mountain iluminada à noite. Ou seja, aproximadamente 100 milhas náuticas de Cape Town. Mas o vento era de uns 15 nós - bem fraquinho, então, ainda levamos dois dias, até chegarmos. No meio do caminho começamos a pegar vagas de 4 a 5 metros de altura, bem lisas, que nos traziam duas emoções: esperança, quando o barco estava na crista, pois revelava a paisagem ao largo, e medo, quando o barco descia à base.
Cape Town é uma cidade imperdível para quem gosta de natureza. Fomos alegremente recebidos por focas brincalhonas e leões marinhos. 
Era uma amostra da força da natureza do Cabo da Boa Esperança (ou Cabo Agulhas) - selvagem, poderosa. Quem vê o Sol da África sabe o que é isso. E há mais, muito mais: flores fortes feito alcachofras (a Protea), pêssegos deliciosos, areia movediça, babuínos, baleias, pinguins, tubarões... e os africanos.




4 de setembro de 2011

Nômade

Os dias em Recife são quentes, tão quentes que me causaram uma desidratação profunda, e convulsões, que só foram curadas pela mágica água de coco.
Naquele dia, porém, Recife lembrava suas origens holandesas: tempo chuvoso, quase frio, e uma névoa intensa cobria a entrada da barra de Recife - a foz do rio que desce das Reservas Ecológicas de Manassu, Mata de Mussaiba e Mata da Jangadinha. Brincando com os binóculos amarelos, vejo surgir um veleiro. Pensei que vinha de longe - ninguém sairia pra velejar num dia daqueles. Continuei olhando pelos binóculos. O proeiro viu o amarelo e acenou. Eu acenei de volta.
No dia seguinte, acordamos e vimos os gringos ancorados ao nosso lado. Remando, perguntaram se sabíamos onde vender whisky. Não sabíamos. Depois de alguns dias nos mudamos para o Iate Clube Cabanga, do outro lado da favela Brasília Teimosa, onde havia mais conforto.
Na espera, soube de um show em Campina Grande, na Paraíba, onde tocariam Chiclete com Banana, Gilberto Gil e Cateano. Convidei os gringos que também haviam se mudado para o nosso lado. Fomos todos, sem meu capitão, que não queria deixar o barco sozinho.
A casa de forró ficava no meio do nada e ao chegarmos, as minhocas da terra avistaram e cataram cada gringo com uma rapidez de Maria Bonita. Eu me divertia ao observar os caras totalmente sem jeito ao terem que encaixar as coxas nas coxas das meninas e rebolar. O americano era o mais fora de ritmo. Havia também um belga, um galês, um sul africano e o capitão, que era australiano.
Na volta, cantávamos no ônibus, eu e mais outros brasileiros alegres. Sob a música, algo aconteceu: surgiu um clima entre eu e Paul, o sul africano - o proeiro que me acenara na chegada. Aquilo durou alguns dias e teve consequências óbvias, mas, também, um desfecho inesperado. O fato é que ele me convidou a prosseguir com eles.
Assim, aos 21 anos, entrei para a tripulação do Berg Wind. Nosso destino era Cape Town, na África do Sul. Na rota para os mares do sul, partimos sob o comando de Robert Hossack em direção ao Rio, para depois baixarmos aos "40 rugidores".
O Miss Global foi para o Caribe mais tarde, com uma nova tripulante, a Fabiana.
E eu me tornei nômade. Desde então, sou cidadã do mundo.

Por isso, quero alimentá-lo.

3 de setembro de 2011

Os rumos

E estava cheia. Desde então aquele dia ficou no meu imaginário como uma das experiências mais emocionantes da minha vida.
Além disso via-se a fosforecência no krill que reflete a luz da lua nas ondas que o barco cria. É algo, no mínimo, belíssimo. Mágico. E navegar me cativou tanto que não paramos mais.
Depois de alguns meses trabalhando entre Angra e Búzios, para ganhar experiência, parti no Miss Global em direção ao Caribe. Na altura do Cabo de São Tomé encontramos com um peixe-lua e algumas jamantas que saltavam. Um pouco mais ao norte houve tempestade de raios.
E em Recife, permanecemos por uns meses, esperando uma vela voltar do Rio, cuja valuma havia rasgado. Culpa da minha inexperiência, que deixei a bicha muito tesa enquanto o vento deu uma aumentada.
Mas com o conforto de esperar em Recife, tudo mudou de novo... inclusive o rumo.
E devo confessar que isso também alimenta a minha natureza. 


 

Bioluminescência

Julho de 1987. Foi no "Miss Global", um 40 pés de regata, totalmente nu, equipado com rádio VHS, sextante, e painel solar, que experimentei, pela primeira vez, o que é a vida no mar. Nesse meio, há inúmeras crendices, mas uma grande verdade é: o mar não é ambiente que permite ficar em cima do muro. Ou você ama, ou não. Até porque sacode muito. E lembra a experiência uterina.
A primeira noite no mar foi de vigília. Meu capitão, muito experiente, me orientou quanto à bússola, me entregou o timão e avisou para ficar de olho em qualquer luz que se aproximasse. Era meu primeiro quarto. Atenção redobrada, olho no horizonte, o sol se pondo, eis que avisto uma luz vermelha. Meu coração batia forte. De repente ela foi ficando maior, e rápido. 
 Era a Lua.

Foi assim que parti

Minha natureza é extremamente volátil. Quando vivo algo muito injusto ou amoral, isso me insufla. Resultado: a tampa da cabeça quase sai. A pressão desses ares pode, certamente, fazer mal, mas como há dois lados para tudo, isso também me movimenta. E equilibra bastante um outro lado da minha natureza, que é gostar de conforto.
Foi assim que eu parti. Não dava mais aguentar tanta iniquidade no país. Eu tinha certeza que não teria chance de fazer a diferença após me formar (em Biologia). Estava errada  - 20 anos depois revi meus colegas que estão todos muito bem, obrigada, e fazendo a diferença. Mas também havia a iniquidade íntima, familiar. Isso acrescentou à vontade de buscar algo de novo, algo diferente. Mas quem criou a primeira fagulha foi minha irmã.
Um belo dia, lá estava no Alface's, e vem ela me dizer: "Daniela, você vai pra Europa." Caí na pilha e respondi, jocosa: "É? Como?". Daí, ela me disse ter um amigo que queria levar o veleiro pra Europa, e que procurava um tripulante. Na mesma hora, arrumei uma ficha (artigo de colecionador) e fui ao orelhão telefonar para o rapaz. Esse movimento mudou minha vida.