A ponte nos levou ao desconhecido, com destino a ilha de Faial, nos Açores.
A bordo do Malaika, cujo nome do capitão eu providencial e obviamente me esqueci, seguimos pelo Triângulo das Bermudas, e pelo Mar de Sargaço, uma imensidão de água coberta de algas marrons, de peixes voadores que insistem em se suicidar pulando no barco, e de um magnetismo bizarro que confunde instrumentos. Com a fama do lugar, e a demora de avanço causada pelas algas, o capitão alemão já não estava lá muito satisfeito.
Depois daquele trecho de algas vem outro trecho onde surgem grandes caravelas - milhares de águas-vivas, de enorme toxicidade, com uma parte externa que lembra uma vela, de cor gritante, que vai do roxo ao rosa-choque. Tanto que, em inglês, elas são chamadas de "homens portugueses de guerra", pela agressividade ao toque.
Lá pelas tantas, quando o comandante soube, pelo weatherfax, da aproximação de uma boa depressão, com 980 milibares no centro, e pelo barômetro, que depencava vertiginosamente, o homem resolveu mudar o rumo para o leste, o que não adiantou nada: fomos pegos em cheio pela tempestade.
O mar ali tinha ondas médias, inchadas, que quebravam; o céu e o mar se confundiam e engoliam o horizonte, e tudo ficou de uma cor cinza-amarronzada. Prendemos o timão, entramos na coberta e mantivemos a estabilidade só com uma storm sail e a grande bem reduzida.
Pensei: o que mais fazer num tempo daqueles? Esperar, e fazer biscoitos.
A tripulação adorou, e caiu dentro, mas o capitão achou inapropriado para o momento, e jogou os biscoitos que esperavam no lixo.
As pessoas se transformam no mar. Os defeitos não têm para onde ir: ficam ali, patentes. Quem tem medo da natureza não deve navegar. Lá, vemos como somos pequenos, frágeis... e no entanto, eu e os outros percebíamos o positivo: merecemos estar vivos!
É preciso ter humildade de caráter para viver no mar.
O mau tempo passou após 3 dias - sem mais biscoitos. Chegamos a ilha de Faial num encantamento tremendo por aquelas ilhas lindíssimas plantadas no meio do oceano e com um mal-estar horrendo com aquele homem descontroladamente furioso. Pobre ele, que não sabia da grande solidariedade existente entre povos que falam português.
A aduana foi imediatamente avisada da situação. Pela lei Internacional, no mar, o capitão é responsável pelo barco e pela tripulação. Ou seja: não é possível abandoná-la em qualquer canto, a sua própria sorte. Ele é obrigado a pagar custos de repatriamento, se quiser se livrar da tripulação. Assim, o homem encontrou um bar onde se afundou pelo tempo em que ali estivemos.
O arquipélago dos Açores, localizado na Macaronésia, é composto de 9 ilhas de paisagens variadas: a maioria é coberta de vastos campos, que lembram a Escócia, com montes e montanhas onde pastam ovelhas e vacas, e onde vive tranquilamente um povo muito acolhedor, em belas cidadelas pitorescas. É um lugar de muitas, muitas histórias de mar. Não daria para contar em um blog inteiro.
A grande natureza pura, límpida, e familiar: um lugar que vale muito a pena conhecer melhor, o que certamente farei antes de partir de vez.
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Physalia physalis |
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Mau tempo no Mar |
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Mapa do Mar de Sargassos |
Costa Leste da Ilha de São Jorge, Açores |
ai ai .... o Triângulo das Bermudas ... ainda bem que o maior problema foi o capitão alemão ...
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