Largar não é fácil para a minha natureza. Naquele momento em que o barco partia, deixando Las Palmas cada vez menor, meu olhar ao largo, duvidando rever a ele novamente algum dia, o capitão me toca no ombro, e diz, em inglês com sotaque carregado em alemão: "não se preocupe, nunca mais você vai ver aquele cara".
A primeira imagem que veio a minha cabeça era eu me jogando no mar, e como meu passaporte ficaria encharcado.
Mas eu não me joguei. Assim começou o mês mais difícil da minha vida.
No início tentei ignorar a coisa e cozinhar. O porco com chucrute e puré de batata me davam enjoo. Todos eram comida pronta, junto a salada de frutas, que saía de uma lata. Nem preciso dizer que fiquei bem magrinha.
O barco tinha um radio amador. O capitão conversava todo dia as 5 com sua esposa, e naquele momento eu havia sido proibida de falar: "ela é muito ciumenta". Eu começava a achar que o cara era tantan, mas ainda tinha muito mar pela frente. No terceiro dia ele me pediu para cortar o cabelo dele, no banheiro. Quando eu lá cheguei com a tesoura na mão, ele estava nu.
Acho que pessoas que cometem abusos não sabem o risco que correm, porque ignoram que podem estar diante de alguém com muita raiva.
Mas eu não reagi. Simplesmente ignorei e cortei o cabelo dele. Após beber algumas caixas de vinho, o capitão me chamou e disse que eu deveria dormir no quarto dele, daquele dia em diante. Foi simples, aquele "não". Então ele me disse, está bem, vai dormir lá fora. E eu obedeci.
O capitão começou a beber mais e mais a cada dia. Isso tornava as coisas mais fáceis, porque tudo o que tínhamos que fazer era levar o barco no rumo, ser nós mesmos e ignorá-lo. Quando ele caia no chão de tão bêbado, os Berlinenses o levavam a cama e já esperávamos que ele acordaria dois dias depois esbravejando.
Apesar de os Berlinenses não falarem uma palavra de inglês eu conseguia me relacionar com eles. A me ver entrando num saco de lixo preto a cada noite e tremer de frio, eles me ofereceram para dormir na cama deles, enquanto estavam fazendo seus quartos. Eles salvaram minha vida e minha saúde.
Em um desses ataques tipo retorno de Jedi, o capitão surgiu lá fora com uma arma. Os Berlinenses imediatamente trataram de dissuadi-lo a guardá-la. No dia seguinte, o cara me aparece na proa, para "fazer as pazes". Estava bêbado novamente, e oscilava, segurando nos guarda-mancebos. Lembro de ter que fazer um esforço feroz para não empurrá-lo.
Sim, agora sei que isso também faz parte da minha natureza.
Foi o mais perto que cheguei de matar alguém na minha vida.
Dessa forma, numa bela manhã daquela viagem de 28 dias, vi Barbados aparecer na proa. Imediatamente desci, arrumei minha mala e me despedi dos berlinenses. Enquanto eles lidavam com as amarras pulei do Caroline e nunca mais olhei para trás. Era novembro de 1988. Felicíssima de estar no Caribe.
A primeira imagem que veio a minha cabeça era eu me jogando no mar, e como meu passaporte ficaria encharcado.
Mas eu não me joguei. Assim começou o mês mais difícil da minha vida.
No início tentei ignorar a coisa e cozinhar. O porco com chucrute e puré de batata me davam enjoo. Todos eram comida pronta, junto a salada de frutas, que saía de uma lata. Nem preciso dizer que fiquei bem magrinha.
O barco tinha um radio amador. O capitão conversava todo dia as 5 com sua esposa, e naquele momento eu havia sido proibida de falar: "ela é muito ciumenta". Eu começava a achar que o cara era tantan, mas ainda tinha muito mar pela frente. No terceiro dia ele me pediu para cortar o cabelo dele, no banheiro. Quando eu lá cheguei com a tesoura na mão, ele estava nu.
Acho que pessoas que cometem abusos não sabem o risco que correm, porque ignoram que podem estar diante de alguém com muita raiva.
Mas eu não reagi. Simplesmente ignorei e cortei o cabelo dele. Após beber algumas caixas de vinho, o capitão me chamou e disse que eu deveria dormir no quarto dele, daquele dia em diante. Foi simples, aquele "não". Então ele me disse, está bem, vai dormir lá fora. E eu obedeci.
O capitão começou a beber mais e mais a cada dia. Isso tornava as coisas mais fáceis, porque tudo o que tínhamos que fazer era levar o barco no rumo, ser nós mesmos e ignorá-lo. Quando ele caia no chão de tão bêbado, os Berlinenses o levavam a cama e já esperávamos que ele acordaria dois dias depois esbravejando.
Apesar de os Berlinenses não falarem uma palavra de inglês eu conseguia me relacionar com eles. A me ver entrando num saco de lixo preto a cada noite e tremer de frio, eles me ofereceram para dormir na cama deles, enquanto estavam fazendo seus quartos. Eles salvaram minha vida e minha saúde.
Em um desses ataques tipo retorno de Jedi, o capitão surgiu lá fora com uma arma. Os Berlinenses imediatamente trataram de dissuadi-lo a guardá-la. No dia seguinte, o cara me aparece na proa, para "fazer as pazes". Estava bêbado novamente, e oscilava, segurando nos guarda-mancebos. Lembro de ter que fazer um esforço feroz para não empurrá-lo.
Sim, agora sei que isso também faz parte da minha natureza.
Foi o mais perto que cheguei de matar alguém na minha vida.
Dessa forma, numa bela manhã daquela viagem de 28 dias, vi Barbados aparecer na proa. Imediatamente desci, arrumei minha mala e me despedi dos berlinenses. Enquanto eles lidavam com as amarras pulei do Caroline e nunca mais olhei para trás. Era novembro de 1988. Felicíssima de estar no Caribe.
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