Desembarcando, encaramos uma escada. Desafio - após vários dias de mar anda-se em ziguezague, sem bebida: é o famoso andar de marinheiro. Ou seja: todos caímos.
Fiquei quase um mês na hospitaleira casa do Dr. Scher, pai do Paul, em Claremont.
Vi pela televisão o Mandela sendo solto do longo tempo na prisão, e o povo emocionado. O apartheid tinha bancos com placas para negros e brancos, tarifa diferenciada nos ônibus, e um olhar incrivelmente constrangedor, de tão submisso, dos mulatos aos falar conosco. E favelas enormes, muito miseráveis.
Fiz amizade com uma menina indiana que vendia roupas no mercado. Ela me ensinou a fazer samoosas e me deu a dica de como sair de lá. Isso era importante, pois eu tinha 500 dólares. Paul planejava voar para a França para fazer a colheita das uvas em Champagne.
Assim, embarquei "de gaiata num navio" de tripulação Birmanesa, indo para Lisboa, junto a um casal de idosos Escoceses, um Alemão, e um casal de jovens sul-africanos. Trabalhamos fazendo vários serviços - descascar batata, pintar porão, etc, em troca da viagem. Até que, anos depois, essa troca teve que ser encerrada pela "esperteza" de um idiota que resolveu tentar contrabandear marfim por aquela via.
Aqueles birmaneses eram quase todos budistas, criaturas pacíficas que andavam com um tipo de sarong, o longyi, que leva um nó caso seja usado por homens, e outro para ser usado por mulheres. Ganhei um verde quadriculado, que usei muitos anos. Fui muito bem tratada por todos, com a breve exceção do cozinheiro - um muçulmano que tentou me agarrar dentro do frigorífico, quando eu procurava massa folhada para fazer samoosas. O assédio tragicômico não teve maiores consequências: ele rapidamente implorou que eu não dissesse nada ao capitão.
Fora esse episódio, foram 12 dias bem tranquilos até chegarmos em Portugal.
Aportando em Lisboa, ao lado da foz do rio Tejo, olhava para aquela terra e não dava pra disfarçar a emoção... e enquanto meus olhos retinham aquela lágrima teimosa o estivador ajudava a atracar o navio, lançando a retinida com um nó em forma de bola na ponta...
E, é claro, o nó-bola bateu na minha testa. Caí pra trás e a tripulação correu, assustada.
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